Era uma vez eu.
Eu tive problemas com uma pessoa mais velha que uma vez me chamou de gorda “delicadamente”. Falei que não havia gostado disso e ela me pediu desculpas.
Meses depois, uma criança do convívio dessa mesma pessoa se sentiu à vontade para desabafar comigo (aos prantos) que queria fazer algo (nada absurdo) no visual, mas que por conta dessa pessoa sempre criticar, ele “tinha que” parar de fazer.
Com muito acolhimento, expliquei pra criança que o corpo era dela e que ela tinha direito de ser e fazer o que gostasse sem se importar com o que os outros pensavam.
Usei meu exemplo de meses atrás para dizer que aquela pessoa mais velha tinha sensatez para saber pedir desculpas quando a gente fosse capaz de dizer que algo que ela tinha dito nos machucava.
A criança então se animou, fez a tal sonhada mudança no visual e me pediu ajuda para conversar com aquela pessoa sobre o que ela estava sentindo.
Eis que, ao explicar com todo cuidado do mundo (na frente da criança) o ocorrido, esperando a mesma reação simples e sensata de pedir desculpas e a vida seguir normalmente dali, a reação dessa pessoa mais velha foi:
1. Se ofender pela criança ter vindo à mim para falar sobre isso
2. Minimizar o sentimento da criança chamando aquilo de “frescura”
3. Plantar medo na criança ao dizer que “depois conversaria no particular com ela”
4. Atacar uma terceira pessoa (também presente no momento), usando algo que ela não gosta no corpo dela como “exemplo” de que ela sempre fala mesmo o que pensa a respeito da aparência dos outros
5. Se justificar dizendo que ela tem direito de não gostar das coisas e falar o que quiser
A criança, calada e assustada, ficou sem reação. Eu e essa terceira pessoa, idem.
Não por não ter o que responder, mas por saber escolher minhas batalhas e por saber que falar qualquer coisa ali pioraria a situação.
Como a minha prioridade é sempre a criança, depois no particular reforcei a beleza da coragem dela em dizer o que sentia e deixei claro que eu estaria sempre ali para ouvir o que ela estivesse sentindo. Abracei-a forte e reforcei o elo de acolhimento, de coração quebrado por não poder protegê-la do ocorrido.
Agora, eu encerro esse texto com uma pergunta: até quando minimizaremos as dores de uma criança em nome do “respeito” e “obediência”?
Quantos mais “não foi nada”, “já passou, “isso é frescura” e “para de chorar” nossas crianças serão obrigadas a ouvir antes de serem traumatizadas e se sentirem sozinhas pra sempre?
Até quando demoraremos a entender que a falta de acolhimento cria adultos inseguros e traumatizados?
Até quando?