Chega. Eu não quero mais ouvir o óbvio.
Hoje em particular, quero propositalmente me privar de entender, apreciar e até mesmo ver poesia nesse nosso jeito cético e ranzinza de ver a vida.
Nossos tons de cinza, sempre tão bem pintados numa dança quase ensaiada, hoje me descompassaram.
Mas a culpa não é sua, meu bem: eu que fiz dormir a razão e deixei o coração sonhar com todas as cores do arco-íris de uma só vez. Descalcei os sapatos e a armadura, fechei os olhos. Senti seu cheiro enquanto me abraçava forte e quis ouvir algo clichê. Senti vã esperança e em cinco segundos de fantasia mentirosa, te casei comigo numa tarde ensolarada de um domingo próximo. Tivemos dois filhos e três cachorros.
Talvez por isso abrir de novo os olhos tenha me doído tanto: disfarçar o soco no estômago que tomei da realidade num simples cisco no olho foi um ato de bravura (para não dizer encenação digna de estatueta); ainda mais tão perto de ti, que sempre me leu tão bem.
Mas não se preocupe, que eu sei de tudo que não somos. É que hoje eu queria mais. Simplesmente um daqueles dias em que eu não queria ser forte ou dona de mim. Que preferia não saber a verdade, não ter sã consciência do que sinto.
Hoje eu queria ser só emoção: deitar no seu colo e ouvir de uma vez por todas que você tem mais que migalhas pra me oferecer. Que a vida passa rápido demais pra gente não ser feliz juntos e que só eu consigo tirar sorrisos bobos de um pessimista incorrigível como você.
Que ainda dá pra ser feliz a essa altura do campeonato e que você voltou a acreditar em amor por minha culpa.
Que todos nossos pensamentos sincronizados e finais de frases terminados pelo outro sejam de uma vez algo além de conexão ou preferência: que seja amor. Mente pra mim, menino, nem que seja só por hoje. Me faz feliz por completo dizendo que no mundo inteirinho, só eu posso te fazer feliz também. Me olha nos olhos e diz que me ama; depois me beija com a paixão de um primeiro beijo adolescente e diz que tudo vai ficar bem só porque estamos juntos.
Eu prometo que amanhã volto a ver o mundo como ele realmente é até dou risada dessas fantasias emocionais idiotas que me fazem escrever textos bonitos para situações imaginárias hipotéticas e provavelmente impossíveis. Mas me faz feliz por hoje: mente pra mim, menino.