Medíocre e Ordinário

Passara a vida toda querendo sentir mais. Vez em sempre sentia que não cabia no mundo que nascera: que a matrix tinha que existir e que num mundo paralelo, as pessoas eram mais que só isso. Tinham de ser.

Se não, que graça teria contar a história de uma vida inteira em um parágrafo? Onde estaria o brilho nos olhos ao encontrar seu grande amor, a história mal resolvida com a família que deixou cicatrizes? Os medos e delírios, os palhaços e palhaçadas que a vida lhe aprontou? Pior de tudo: onde estaria a magia que as pessoas tanto usam ao falar de amor? Quando pensava nos amores que tivera, entristecia ao notar que todos tinham sido mornos.

Não queria uma vida sem tempero. Era dessas que se alimentava de histórias, precisava delas pra (sobre)viver. Era em pessoa o tal “exagerado” que Cazuza eternizou cantando: Tirava os sapatos e fazia questão de esconder o guarda-chuvas quando chovia. Pulava nas poças, imaginando em cada uma molhar alguém que brigasse feio, e que no meio da discussão lhe tascasse um beijo. Em segundos imaginava contando essa história para os netos, em volta de uma lareira qualquer pelo mundo afora. Ao recobrar-se no som da buzina de um carro, sentia-se boba por pensar tanta coisa só porque chovia.

Entristecia-se e ia pra casa cozinhar para um ninguém imaginário. Seus pratos serviam sempre duas pessoas, mesmo que a janta fosse constantemente solitária, numa certa esperança mal resolvida de que alguém lhe tocasse a campainha e dissesse “oi, vim te fazer feliz”.

Mas nesse dia não choveu. Justo nesse dia, o dia foi simples e ordinário, mais até do que qualquer outro que ela pudesse lembrar.
Chegou em casa, ligou a música. Rabiscou algo no papel e sorriu pra si mesma com seu batom vermelho no espelho. Tirou a roupa, entrou no banho morno e ali se deixou ficar por meia hora, obrigando-se a não pensar em nada. Fechou a torneira do chuveiro e caminhou ainda molhada até o parapeito da janela. Viu seu rastro de água pela casa e ficou feliz por não ter mais que limpar chorando, após imaginar no reflexo dos pingos histórias que jamais aconteceriam. Não sorriu, não chorou. Pulou do 19º andar assim, sem nenhum drama, hesitação ou ensaio.

Não tinha medo de morrer. Seu maior medo era mesmo ter que passar por mais um dia medíocre e ordinário como aquele.

autor: Amanda Armelin

Bocuda, nerd, tatuada. Cervejeira de carteirinha e louca por cachorros (principalmente bulldogs). Além do sorriso no rosto, mantém paixão absoluta por bacon e sexo.

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