O começo no fim
Já não sabia andar descalça. Há muito que tinha medo de tirar os sapatos.
Sentir o chão frio embaixo de todo o peso de seu corpo lhe causava calafrios. Lembrava como se fosse hoje da última vez que tentou correr descalça pela grama: pisou em espinhos. Cicatrizaes numerosas e doloridas se formaram, quase como um alerta instantâneo e visual para que ela não mais tentasse.
O medo de se machucar tomou conta não somente dos pés, mas de cada entranha de seu corpo. Desistiu de ser uma pessoa livre para ser escrava do próprio medo de se machucar. Deixou de fazer tantas coisas que antes gostava tanto, só para não correr o risco de sentir aquela dor novamente em sua vida.
Passou por anos a fio temendo as possibilidades mais remotas de ter mais cicatrizes. Visíveis ou não.
Afastou pessoas que realmente a queriam bem, e se aproximou de pessoas igualmente medrosas. Era muito mais fácil conviver com elas.
Dos todos sonhos todos que tinha, deixou ficar em sua vida apenas aqueles de padaria. Transformou a vida em pura e mera sobrevivência.
Até que se viu doente. Talvez todo aquele sentimendo guardado por tantos anos tenha lhe feito mal. Afinal, ela nunca fugia da rotina. Nunca fazia nada perigoso. Nunca fazia nada fora do comum. E por isso, um câncer lhe tomou o estômago. Mesmo com tantas explicações médicas, ela entendeu que no fundo, era o preço por ter desistido de viver intensamente como antes fazia com um sorriso no rosto.
E decidiu que não era tarde demais. Que nunca seria tarde demais.
Soltou os cabelos, levantou o rosto, enxugou aquela lágrima tímida que lhe escorria pela buchecha esquerda, tirou os sapatos, abriu um sorriso e foi para a casa descalça.
E quando todos a olharam com olhos de estranheza, foi que ela mais se sentiu feliz e realizada em toda sua vida. Tinha finalmente começado a viver ali, no fim de tudo.
26/07/2011
dorei mai!
26/07/2011
que bonito!
26/07/2011
de chorar no cantinho, foi mto gostoso ler 🙂